leia ouvindo ♪
Lembrar das coisas me faz doer a cabeça. Vejo que esse livro vai me dar muita dor de cabeça. Lembrar me faz feliz, me faz triste. É um passaporte, que te leva a lugares, muitos lugares. Sua mente é um passaporte, pode te levar aonde quiser. Eu gosto de lembrar; e mesmo que não gostasse, lembro de tudo, já é parte de mim isso. Do dia, da hora, do local, da cena. Do gosto, do cheiro, do jeito, da música. Fecho os olhos e viajo.
É Ano Novo. Ano novo, vida nova. E como sempre, compras de fim de ano.
- Mãe, quero uma camiseta branca.
- Pra quê Lucas ?
- Porque eu quero branca. Branco traz paz.
- É besteira menino.
- Não é ! Passei de preto e não deu certo.
- É coincidência.
Coincidência. Eis algo que me assusta, me faz pensar. As vezes, é coincidência demais e logo vem um monte de gente dizer que é destino, que estava escrito. Eu cansei de pensar sobre isso, porque sempre quis que minhas vontades fossem obra do destino, então buscava coincidências em todas elas. Pois bem era Ano Novo.
E como todo ano novo, me traz lembranças. De tudo o que ocorreu no ano anterior. Dos planos que fiz e não realizei. Sempre fui frustrado por minhas próprias vontades, meus próprios planos. Sempre quis o impossível, o intangível, o inatíngivel. E sempre me frustrei. E lembrando disso, dessa vez eu lembrei. Era Ano Novo ? Não sei ao certo, talvez fosse Natal, era criança demais para lembrar disso. Eu lembro das cores. Lembro do vinho e lembro do cinza. Sempre gostei de cinza, desde criança. Pegava o lápis de escrever e pintava a rua no sulfite. Cinza. E a única certeza que tenho e que ele era presente naquela noite.
Eu devia ter meus quatro anos. É, deve ser. Era Natal, dia de família reunida. Todo Natal é assim. Passamos o dia todo esperando. Acho que sempre gostei de Natal, não da 'festa' em si que fazem, mas gosto do Natal. Talvez seja pelo som da palavra. Gosto de ficar repetindo. Natal, Natal, Natal, até perder o sentido. Gosto das manhãs de Natal, essas sim são boas, as melhores do ano. Mas a desse Natal eu não lembro. Tudo o que lembro é do Cinza. Do vermelho vinho e dos vidros quebrados. Talvez tivesse chuva, lâmpadas, faróis acesos, não sei ao certo. Sei que lembro do cinza; e da cor de vinho.
O carro era cinza, talvez seja isso. O modelo eu não lembro. Dizem que insisto no modelo errado ao do ocorrido, então não faço questão, muito menos esforço para lembrar, tinha apenas 3, 4 anos; nem isso eu sei. Era Natal e estávamos no carro, e de repente eu vejo os vidros quebrados. Se me esforçar talvez eu lembre de algum barulho, mas assim a minha cabeça começa a doer. Lembro da mão da minha mãe, com um pequeno corte, tocando o corte que se fez no meu rosto. Hoje o supercilio cobre a cicatriz da batida, isto é, se ela ainda existir. Não lembro para onde fomos dali, e o que aconteceu depois. Eu lembro do cinza, dos vidros quebrados, da cor de vinho que surgiu daonde eu não sei. Lembro disso, de resto, não lembro mais nada.
ao som de : stone sour-through the glass
(indicação da Kriss)